sábado, 24 de novembro de 2018

O Espelho e a Rosa (fantasia)

O ESPELHO E A ROSA
(fantasia)

Jota Nil
(Tácito Silveira da Mota)

Uma rosa pendia de heráldico vaso,
defronte de vestuto espelho emoldurado
em madeira de lei.
Pela janela entrava a brisa matutina,
acariciando a flor...
(a rosa falou)

Espelho amigo, escuta-me, é só por momentos,
pois que a minha existência... ela está terminada.
Eu não receio a morte e nem os sofrimentos,
mas... não quero morrer sozinha... abandonada,
sem um consolo amigo, sem um confidente
a quem possa contar a minha desventura...
(o espelho consolou-a)

Sou todo ouvidos, minha amiguinha, querida!
Também tenho uma história amarga a te contar...
(a rosa continuou)

Lá fora, no jardim, eu vivia feliz
entre as minhas irmãs... E quando no ocidente
o sol se recolhia, bem de tardezinha,
vinham os colibris contentes nos beijar...
À noite, a festa, então, todas as estrelas, todas
na abóbada infinita a brilhar... a brilhar!
A brilhar!... No canteiro oposto, um cravo branco
o vermelho mirava-me com tanto ardor
e paixão... (a flor cora da sua lembrança)
que cheguei, meu Deus!, a lhe ter um certo amor...
(a rosa pende mais no vaso)

Quando pela manhã, nos primeiros acordes
festivos, as primeiras borboletas vinham,
tontas de luz, de sol, de vida, nos saudar...
eu olhava o canteiro do cravo vermelho
e branco... Ele sorria, a me olhar... a me olhar...
(a rosa soluça baixinho)

Um dia... brutalmente, fui por alva mão
de mulher transportada para este quarto escuro,
onde só brilha a luz do teu bom coração!
(Há um pesado silêncio. A rosa se debruça mais)

Espelho amigo, fale você... Sou ouvidos...
(O espelho mirou-a pesarosa. Falou, a voz tremente de emoção)

Há muitos anos vivo neste quarto escuro...
só, sozinho! Vê minha desventura, amiga:
nunca brinquei com raios de sol nas manhãs
claras de primavera! nem das borboletas,
dos colibris eu vi o voo encantado,
nada! Vê, minha desventura é bem maior
que a tua! sempre fui infeliz, desgraçado!...
(a rosa agoniza, debruçada...)

Mas, a maior tortura, a pior das dores
que me fere continuamente... é por amar
como insensato a todas, sim, todas as flores...
(sobre o mármore cai a última pétala da rosa desventurada...)

Um galho seco pende agora, desolado,
do vaso entristecido...
Porém, a mão veludo de mulher, repõe
uma rosa-botão em o heráldico vaso,
defronte do vestuto espelho emoldurado
em madeira de lei!
Pela janela, invade a brisa vespertina,
acariciando a flor!  

Um comentário:

  1. Conservamos no texto a corruptela "vestuto" ao invés de "vetusto" em respeito ao autor.

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